SEMPER FI


sábado, 15 de maio de 2010

INFORMATIVO Nº 585 STF

SEGUNDA TURMA


Maus Antecedentes: Inquéritos Policiais e Ações Penais em Curso

Processos penais em curso, ou inquéritos policiais em andamento ou, até mesmo, condenações criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de pronunciamento absolutório, como elementos evidenciadores de maus antecedentes do réu. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para reconhecer, em favor do paciente, o direito de ter reduzida, em 8 meses, a sua pena privativa de liberdade, cuja pena-base fora exasperada ante a existência de inquéritos e processos em andamento. Realçou-se recente edição, pelo STJ, de súmula no mesmo sentido (Súmula 444: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.”).
HC 97665/RS, rel. Min. Celso de Mello, 4.5.2010. (HC-97665)



Intimação Pessoal e Defensor Público-Geral

A Turma indeferiu habeas corpus no qual se alegava nulidade absoluta de acórdão proferido pela Corte de origem em apelação interposta por Defensoria Pública estadual, ante a ausência de intimação pessoal do defensor público. Tendo em conta que a Defensoria Pública estadual fora intimada da sessão de julgamento da apelação por intermédio de ofício encaminhado ao titular da instituição, entendeu-se que, no caso, houvera sim intimação pessoal, o que afastaria a pretensão dos pacientes.
HC 99540/AP, rel. Min. Ellen Gracie, 4.5.2010. (HC-99540)



Intimação de Réu Preso

A Turma deferiu, parcialmente, habeas corpus em que preso que atua em causa própria insurgia-se contra a falta de sua intimação pessoal do acórdão do STJ que denegara idêntica medida na qual pleiteava a incidência da regra do crime continuado a sua condenação. Enfatizou-se que, na espécie, a intimação do acórdão se efetivara pelo Diário da Justiça, embora se tratasse de réu preso, sem formação jurídica e atuando em causa própria. Consignou-se que o paciente preso não poderia ter conhecimento dessa intimação, devendo-se aplicar, por analogia, o art. 370, § 2º, do CPP (“§2º  Caso não haja órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo.”). Por outro lado, rejeitou-se o pedido de que fosse nomeado defensor para ciência do acórdão e interposição de eventual recurso, porquanto inexistente no ordenamento jurídico pátrio a obrigatoriedade desta nomeação. Aduziu-se, no ponto, que pode o juiz conceder a ordem de ofício, caso repute presente hipótese de constrangimento ilegal imposto ao paciente (CPP, art. 654, § 2º). Ordem concedida para, mantido o acórdão do STJ, anular seu trânsito em julgado e determinar que tal Corte intime o paciente por via postal, com o devido comprovante de recebimento.
HC 100103/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 4.5.2010. (HC-100103)




Impedimento de Magistrado: Atuação em Feito Criminal e Sentença em Ação Civil Pública - 1

A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute se estaria comprometida, ou não, a imparcialidade de magistrado que condenara o paciente em ação civil pública e, depois, recebera denúncia em ação penal pelos mesmos fatos. No caso, o juízo de vara única de determinada comarca julgara procedente pedido formulado em ação civil pública para destituir o paciente da função de conselheiro tutelar daquela cidade, decretando, ainda, a sua inelegibilidade para o exercício da função. Ocorre que, posteriormente, fora instaurada ação penal para se apurar a suposta prática dos crimes tipificados no art. 216-A do CP (duas vezes), no art. 65 da Lei de Contravenções Penais (três vezes) e do art. 240, § 2º, do ECA, em concurso material (CP, art. 69). A impetração alega que a ação penal estaria embasada nos fatos utilizados na ação civil pública, sendo conduzida pelo mesmo magistrado que o condenara na ação coletiva.
HC 97544/SP, rel. Min. Eros Grau, 4.5.2010. (HC-97544)
Impedimento de Magistrado: Atuação em Feito Criminal e Sentença em Ação Civil Pública - 2

O Min. Eros Grau, relator, deferiu o writ para anular a ação penal, desde o recebimento da denúncia, determinando a remessa dos autos ao substituto legal do juiz. Inicialmente, ressaltou que a jurisprudência do STF encontra-se firmada no sentido de que o rol das causas de impedimento do art. 252 do CPP seria taxativo. Em seguida, aduziu que, em situações como as do presente caso, não se estaria a criar, pela via da interpretação, hipótese de impedimento estranha às previstas no aludido dispositivo legal. Estar-se-ia, apenas, conferindo, consoante autorizado pelo art. 3º do CPP, interpretação extensiva ao inciso III do art. 252 do mesmo diploma (“Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: ... III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;”). Assim, reputou que a expressão “instância”, no preceito, não poderia ser entendida como conotativa exclusivamente de “grau de jurisdição”. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
HC 97544/SP, rel. Min. Eros Grau, 4.5.2010. (HC-97544)




INQUÉRITO 2.646-RN
RELATOR : MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: INQUÉRITO. CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. INCISO II DO ART. 1º DO DECRETO-LEI 201/67. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DENÚNCIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA DA AÇÃO PENAL (INCISO III DO ART. 395 DO CPP). FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO DO TIPO. DENÚNCIA REJEITADA.
1. A indiciada está no exercício de mandato de Senadora da República pelo Estado do Rio Grande do Norte. Do que resulta a competência do Supremo Tribunal Federal para o processamento e julgamento da causa, nos termos do § 1º do art. 53 da Constituição Federal.
2. O exame prefacial da denúncia é restrito às balizas dos arts. 41 e 395 do Código de Processo Penal. É falar: a admissibilidade da acusação se afere quando satisfeitos os requisitos do art. 41, sem que ela, denúncia, incorra nas impropriedades do art. 395 do Código de Processo Penal. 3. No caso, as peças que instruem este inquérito dão conta de que o protocolo de intenções firmado pelos denunciados incorpora finalidade social. Finalidade inscrita nas competências materiais de toda pessoa estatal-federada (“organizar o abastecimento alimentar” - inciso VIII do art. 23 da CF/88). Mais: o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no país” chega a ser princípio regente de toda a ordem econômica nacional (inciso IX do art. 170 da Carta Magna). Tudo sem considerar que a abertura do estabelecimento comercial objeto da denúncia gerou, aproximadamente, 154 empregos diretos para os habitantes do Município de Mossoró/RN.
4. A incidência da norma que se extrai do inciso II do art. 1º do DL 201/67 depende da presença de um claro elemento subjetivo do agente político: a vontade livre e consciente (dolo) de lesar o Erário. Pois é assim que se garante a necessária distinção entre atos próprios do cotidiano político-administrativo e atos que revelam o cometimento de ilícitos penais. No caso, o órgão ministerial público não se desincumbiu do seu dever processual de demonstrar, minimamente que fosse, a vontade livre e consciente do agente em lesar o Erário. Ausência de demonstração do dolo específico do delito que impossibilita o recebimento da denúncia, por falta de atipicidade da conduta do agente denunciado (inciso III do art. 395 do CPP).
5. Denúncia rejeitada.
* noticiado no Informativo 576

HC N. 97.034-MG
RELATOR : MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO QUALIFICADO. INCIDÊNCIA DO PRIVILÉGIO DA PRIMARIEDADE E DO PEQUENO VALOR DA COISA SUBTRAÍDA. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido da possibilidade de homicídio privilegiado-qualificado, desde que não haja incompatibilidade entre as circunstâncias do caso. Noutro dizer, tratando-se de qualificadora de caráter objetivo (meios e modos de execução do crime), é possível o reconhecimento do privilégio (sempre de natureza subjetiva). 2. A mesma regra de interpretação é de ser aplicada no caso concreto, dado que as qualificadoras do concurso de pessoas e da destreza em nada se mostram incompatíveis com: a) o fato de ser a acusada penalmente primária; b) inexpressividade financeira da coisa subtraída. Precedentes de ambas as Turmas do STF: HCs 94.765 e 96.843, da relatoria da ministra Ellen Gracie (Segunda Turma); HC 97.051, da relatoria da ministra Cármen Lúcia (Primeira Turma); e HC 98.265, da minha relatoria (Primeira Turma). 3. Ordem concedida para reconhecer a incidência do privilégio do § 2º do art. 155 do CP.




HC N. 97.123-MG
RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: HABEAS CORPUS. ELABORAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO PARA FINS DE PROGRESSÃO: POSSIBILIDADE, MESMO COM A SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 10.792/03. NECESSIDADE, CONTUDO, DE DECISÃO FUNDAMENTADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. Conforme entendimento firmado neste Supremo Tribunal, a superveniência da Lei n. 10.792/2003 não dispensou, mas apenas tornou facultativa a realização de exames criminológicos, que se realiza para a aferição da personalidade e do grau de periculosidade do sentenciado (v.g., Habeas Corpus n. 85.963, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ 27.10.2006).
2. Na linha dos precedentes deste Supremo Tribunal posteriores à Lei n. 10.792/03, o exame criminológico, embora facultativo, deve ser feito por decisão devidamente fundamentada, com a indicação dos motivos pelos quais, considerando-se as circunstâncias do caso concreto, ele seria necessário.
3. Ordem concedida para cassar a decisão que, com fundamento no exame criminológico, indeferiu ao Paciente a progressão de regime e determinar ao Juízo das Execuções Criminais nova apreciação da questão posta, devendo ele avaliar se, na espécie, estariam presentes os requisitos objetivos e subjetivos para a concessão do benefício, independentemente do exame criminológico.





HC N. 93.596-SP
RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE ASSEGURA, AO RÉU, O DIREITO AO REGIME PENAL SEMI-ABERTO – IMPOSSIBILIDADE MATERIAL, POR PARTE DE ÓRGÃO COMPETENTE DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO, DE VIABILIZAR A EXECUÇÃO DESSA MEDIDA – DETERMINAÇÃO, PELO MAGISTRADO LOCAL, DE RECOLHIMENTO DO CONDENADO A QUALQUER ESTABELECIMENTO PRISIONAL DO ESTADO, MESMO ÀQUELE DE SEGURANÇA MÁXIMA, ATÉ QUE O PODER PÚBLICO VIABILIZE, MATERIALMENTE, O INGRESSO DO SENTENCIADO NO REGIME PENAL SEMI-ABERTO (COLÔNIA PENAL AGRÍCOLA E/OU INDUSTRIAL) – INADMISSIBILIDADE – AFRONTA A DIREITO SUBJETIVO DO SENTENCIADO – HIPÓTESE CONFIGURADORA DE EXCESSO DE EXECUÇÃO – PEDIDO DEFERIDO.
- O inadimplemento, por parte do Estado, das obrigações que lhe foram impostas pela Lei de Execução Penal não pode repercutir, de modo negativo, na esfera jurídica do sentenciado, frustrando-lhe, injustamente, o exercício de direitos subjetivos a ele assegurados pelo ordenamento positivo ou reconhecidos em sentença emanada de órgão judiciário competente, sob pena de configurar-se, se e quando ocorrente tal situação, excesso de execução (LEP, art. 185).
Não se revela aceitável que o exercício, pelo sentenciado, de direitos subjetivos – como o de iniciar, desde logo, porque assim ordenado na sentença, o cumprimento da pena em regime menos gravoso – venha a ser impossibilitado por notórias deficiências estruturais do sistema penitenciário ou por crônica incapacidade do Estado de viabilizar, materialmente, as determinações constantes da Lei de Execução Penal.
- Conseqüente inadmissibilidade de o condenado ter de aguardar, em regime fechado, a superveniência de vagas em colônia penal agrícola e/ou industrial, embora a ele já reconhecido o direito de cumprir a pena em regime semi-aberto.
- “Habeas corpus” concedido, para efeito de assegurar, ao sentenciado, o direito de permanecer em liberdade, até que o Poder Público torne efetivas, material e operacionalmente, as determinações (de que é o único destinatário) constantes da Lei de Execução Penal.





EMENTA: “HABEAS CORPUS”. DENEGAÇÃO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE FUNDADA NO ART. 59 DA LEI DE DROGAS. CONTEÚDO NORMATIVO DESSA REGRA LEGAL VIRTUALMENTE IDÊNTICO AO DO ART. 594 DO CPP QUE, NÃO OBSTANTE HOJE DERROGADO (LEI Nº 11.719/2008), FOI CONSIDERADO INCOMPATÍVEL, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, COM A VIGENTE CONSTITUIÇÃO (RHC 83.810/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA). REFORÇO DE ARGUMENTAÇÃO EFETUADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF. AINDA QUE POSSÍVEL TAL REFORÇO, OS FUNDAMENTOS EM QUE SE APÓIA MOSTRAR-SE-IAM DESTITUÍDOS DE CONSISTÊNCIA EM FACE DA APARENTE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 44 DA LEI DE DROGAS. VEDAÇÃO LEGAL IMPOSTA, EM CARÁTER ABSOLUTO E APRIORÍSTICO, QUE OBSTA, “IN ABSTRACTO”, A CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 33, “CAPUT” E § 1º, E NOS ARTS. 34 A 37, TODOS DA LEI DE DROGAS. POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA LEGAL VEDATÓRIA (ART. 44). OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO “DUE PROCESS OF LAW”, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA “PROIBIÇÃO DO EXCESSO”: FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF (ESTATUTO DO DESARMAMENTO, ART. 21). CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. NÃO SE DECRETA NEM SE MANTÉM PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO “STATUS LIBERTATIS” DAQUELE QUE A SOFRE. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida cautelar, impetrado contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 18):

“PETIÇÃO RECEBIDA COMO ‘HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO IMPOSTA PELA CONSTITUIÇÃO, PELO ART. 2º, INCISO II, DA LEI 8.072/90 E PELO ART. 44 DA LEI 11.343/06. ORDEM DENEGADA.
1. O inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal estabelece que o crime de tráfico ilícito de entorpecentes é inafiançável. Não sendo possível a concessão de liberdade provisória com fiança, com maior razão é a não-concessão de liberdade provisória sem fiança.
2. A legislação infraconstitucional (arts. 2º, II, da Lei 8.072/90 e 44 da Lei 11.343/06) também veda a liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes.
3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a vedação legal é fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória (HC 76.779/MT, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 3/4/08).
4. Ordem denegada.”
(Pet 7.623/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA - grifei)

Passo a apreciar o pedido de medida liminar ora formulado pela parte impetrante. E, ao fazê-lo, entendo plausível, em sede de estrita delibação, a pretensão jurídica deduzida na presente causa.
Constata-se, pela análise da sentença penal condenatória (fls. 07/16), que não há, nela, qualquer motivação justificadora da concreta necessidade de manutenção da prisão cautelar dos pacientes (fls. 16):

“Os réus já se encontram presos cautelarmente e, se insatisfeitos com a decisão, não poderão recorrer em liberdade, em vista da proibição expressamente prevista no artigo 59 da Lei Antitóxicos, que entendo não ter sido revogado pelo art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90.” (grifei)

Vê-se que o magistrado de primeira instância, ao negar, na espécie, a possibilidade de os pacientes recorrerem em liberdade, apoiou-se, unicamente, sem referência a qualquer situação evidenciadora da concreta necessidade da prisão cautelar, na vedação imposta, em abstrato, pelo art. 59 da Lei nº 11.343/2006, que reproduz, virtualmente, o que prescrevia o art. 594 do CPP, hoje derrogado pela Lei nº 11.719/2008.
Ocorre, no entanto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar o conteúdo de referida norma legal (CPP, art. 594), entendeu-a incompatível com o modelo consagrado na vigente Constituição da República, vindo a formular, por isso mesmo, juí
zo negativo de recepção, como resulta de julgamento assim ementado:


“RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’. ART. 594 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONHECIMENTO DA APELAÇÃO E RECOLHIMENTO DO RÉU CONDENADO À PRISÃO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA AMPLA DEFESA. RECURSO PROVIDO.
1. O recolhimento do condenado à prisão não pode ser exigido como requisito para o conhecimento do recurso de apelação, sob pena de violação aos direitos de ampla defesa e à igualdade entre as partes no processo.
2. Não recepção do art. 594 do Código de Processo Penal da Constituição de 1988.
3. Recurso ordinário conhecido e provido.”
(RHC 83.810/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – grifei)
Essa circunstância basta, só por si, para justificar – ao menos em juízo de estrita delibação – a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida nesta sede processual.
Observo, ainda, na espécie, que a decisão proferida pelo magistrado local de primeira instância pareceria justificar a (inadmissível) execução provisória da condenação penal.
É imperioso observar, no ponto, que o Supremo Tribunal Federal não reconhece a possibilidade constitucional de execução provisória da pena, por entender que orientação em sentido diverso transgrediria, de modo frontal, a presunção constitucional de inocência.
É por tal motivo que, em situações como a que ora se registra nesta causa, o Supremo Tribunal Federal tem garantido, ao condenado, até mesmo em sede cautelar, o direito de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos interpostos, ainda que destituídos de eficácia suspensiva (HC 85.710/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 88.276/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 88.460/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – HC 89.952/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.), valendo referir, por relevante, que ambas as Turmas desta Suprema Corte (HC 85.877/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, e HC 86.328/RS, Rel. Min. EROS GRAU) já asseguraram, inclusive de ofício, a diversos pacientes, o direito de recorrer em liberdade.
É certo, no entanto, que, proferida sentença penal condenatória, nada impede que o Poder Judiciário, a despeito do caráter recorrível desse ato sentencial, decrete, excepcionalmente, a prisão cautelar do réu condenado, desde que existam, contudo, quanto a ela, reais motivos evidenciadores da necessidade de adoção dessa extraordinária medida constritiva de ordem pessoal (RTJ 193/936, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 71.644/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Isso significa que, para efeito de legitimação da prisão cautelar motivada por condenação recorrível (como sucede na espécie), exigir-se-á, sempre, considerada a inconstitucionalidade da execução penal provisória (HC 84.078/MG, Rel. Min. EROS GRAU, Pleno), a observância de certos requisitos, sem os quais não terá validade jurídica alguma esse ato de constrição da liberdade pessoal do sentenciado, consoante adverte o magistério da doutrina (ROBERTO DELMANTO JÚNIOR, “As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração”, p. 202/234, itens ns. 6 e 7, 2ª ed., 2001, Renovar; LUIZ FLÁVIO GOMES, “Direito de Apelar em Liberdade”, p. 104, item n. 3, 2ª ed., 1996, RT; PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN/JORGE ASSAF MALULY, “Curso de Processo Penal”, p. 163/164, item n. 7.1.5, 3ª ed., 2005, Forense; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “A Tutela Cautelar no Processo Penal”, p. 286/301, item n. 4.4.3.1.5, 2005, Lumen Juris; ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ, “Prisão Cautelar”, 2006, Lumen Juris, v.g.), em lições que têm merecido, no tema, o beneplácito da jurisprudência desta Corte Suprema.
O exame da decisão ora questionada parece revelar que esse ato decisório não se ajustaria ao magistério jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte, pois – insista-se – a denegação, ao sentenciado, do direito de recorrer (ou de permanecer) em liberdade depende, para legitimar-se, da ocorrência concreta de qualquer das hipóteses referidas no art. 312 do CPP (RTJ 195/603, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 84.434/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 86.164/RO, Rel. Min. AYRES BRITTO, v.g.), a significar, portanto, que, inexistindo fundamento autorizador da privação meramente processual da liberdade do réu, esse ato de constrição reputar-se-á ilegal, porque destituído, em referido contexto, da necessária cautelaridade (RTJ 193/936):
“(...) PRISÃO CAUTELAR – CARÁTER EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade.
A prisão processual, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.
- A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Doutrina. Precedentes.”
(HC 89.754/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Em suma: a prisão processual, de ordem meramente cautelar, ainda que fundada em condenação penal recorrível, tem, como pressuposto legitimador, a existência de situação de real necessidade, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente ocorrente, a adoção – sempre excepcional – dessa medida constritiva de caráter pessoal.
Nem se diga que a decisão de primeira instância teria sido reforçada, em sua fundamentação, pelo julgamento emanado do E. Superior Tribunal de Justiça, no qual se denegou a ordem de “habeas corpus” então postulada em favor dos ora pacientes.
Cabe ter presente, neste ponto, na linha da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria, que a legalidade da decisão que decreta a prisão cautelar ou que denega liberdade provisória deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe dão suporte, e não em face de eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias judiciárias superiores (HC 90.313/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, HC 96.715-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, HC 97.976-MC/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):
“(...) Às instâncias subseqüentes não é dado suprir o decreto de prisão cautelar, de modo que não pode ser considerada a assertiva de que a fuga do paciente constitui fundamento bastante para enclausurá-lo preventivamente (...).”
(RTJ 194/947-948, Rel. p/ o acórdão Min. EROS GRAU - grifei)
A motivação, portanto, há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que decreta (ou mantém) o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois - insista-se - a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas “a posteriori” (RTJ 59/31 - RTJ 172/191-192 - RT 543/472 - RT 639/381, v.g.):
“Prisão preventiva: análise dos critérios de idoneidade de sua motivação à luz de jurisprudência do Supremo Tribunal.
1. A fundamentação idônea é requisito de validade do decreto de prisão preventiva: no julgamento do ‘hábeas-corpus’ que o impugna não cabe às sucessivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a sua deficiência originária, mediante achegas de novos motivos por ele não aventados: precedentes.”
(RTJ 179/1135-1136, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)
Mesmo que se pudesse superar esse obstáculo, a afirmação do E. Superior Tribunal de Justiça – fundada, tão-somente, no art. 44 da Lei nº 11.343/2006 – também não se revestiria de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual.
Mostra-se importante ter presente, no caso, quanto à Lei  nº 11.343/2006, que o seu art. 44 proíbe, de modo abstrato e “a priori”, a concessão da liberdade provisória nos “crimes previstos nos art. 33, ‘caput’ e § 1º, e 34 a 37 desta Lei”.
Cabe assinalar que eminentes penalistas, examinando o art. 44 da Lei nº 11.343/2006, sustentam a inconstitucionalidade da vedação legal à concessão de liberdade provisória prevista em mencionado dispositivo legal (ROGÉRIO SANCHES CUNHA, “Da Repressão à Produção Não Autorizada e ao Tráfico Ilícito de Drogas”, “in” LUIZ FLÁVIO GOMES (Coord.), “Lei de Drogas Comentada”, p. 232/233, item n. 5, 2ª ed., 2007, RT”; FLÁVIO OLIVEIRA LUCAS, “Crimes de Uso Indevido, Produção Não Autorizada e Tráfico Ilícito de Drogas – Comentários à Parte Penal da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006”, “in” MARCELLO GRANADO (Coord.), “A Nova Lei Antidrogas: Teoria, Crítica e Comentários à Lei nº 11.343/06”, p. 113/114, 2006, Editora Impetus”; FRANCIS RAFAEL BECK, “A Lei de Drogas e o Surgimento de Crimes ‘Supra-hediondos’: uma necessária análise acerca da aplicabilidade do artigo 44 da Lei nº 11.343/06", “in” ANDRÉ LUÍS CALLEGARI e MIGUEL TEDESCO WEDY (Org.), “Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal e da política criminal”, p. 161/168, item n. 3, 2008, Livraria do Advogado Editora”, v.g.).
Cumpre observar, ainda, por necessário, que regra legal, de conteúdo material virtualmente idêntico ao do preceito em exame, consubstanciada no art. 21 da Lei nº 10.826/2003, foi declarada inconstitucional por esta Suprema Corte.
A regra legal ora mencionada, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, inscrita no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), tinha a seguinte redação:
“Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória.” (grifei)

Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), não pode ser admitida, eis que se revela manifestamente incompatível com a presunção de inocência e a garantia do “due process”, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República, independentemente da gravidade objetiva do delito.
Foi por tal razão, como precedentemente referido, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada:
“(...) V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ‘ex lege’, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente.” (grifei)
Devo assinalar, por relevante, que a aplicabilidade do art. 44 da Lei de Drogas tem sido recusada por alguns Juízes do Supremo Tribunal Federal, que vislumbram, em referida cláusula legal, a eiva da inconstitucionalidade (HC 97.976-MC/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 100.330-MC/MS, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 100.949-MC/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.):
“‘HABEAS CORPUS’. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, IMPOSTA EM CARÁTER APRIORÍSTICO, INIBITÓRIA DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 33, ‘CAPUT’ E § 1º, E NOS ARTS. 34 A 37, TODOS DA LEI DE DROGAS. POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA LEGAL VEDATÓRIA (ART. 44). OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO ‘DUE PROCESS OF LAW’, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA ‘PROIBIÇÃO DO EXCESSO’: FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF (ESTATUTO DO DESARMAMENTO, ART. 21). CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. NÃO SE DECRETA NEM SE MANTÉM PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO ‘STATUS LIBERTATIS’ DAQUELE QUE A SOFRE. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.”
(HC 100.742-MC/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Vale mencionar, quanto à possível inconstitucionalidade do art. 44 da Lei de Drogas, recentíssima decisão proferida pela colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 100.872/MG, Rel. Min. EROS GRAU, que manteve medida cautelar anteriormente concedida pelo eminente Relator da causa, que assim fundamentou, no ponto, a sua decisão monocrática:
“A vedação da liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo art. 44 da Lei n. 11.343/06, é expressiva de afronta aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII da Constituição do Brasil). (...). A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável.” (grifei)
Essa repulsa a preceitos legais, como esses que venho de referir, também encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini, “Crime Organizado”, p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT; GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS, “Comentários à Lei contra o Crime Organizado”, p. 87/91, 1995, Del Rey; ROBERTO DELMANTO JUNIOR, “As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração”, p. 142/150, item n. 2, “c”, 2ª ed., 2001, Renovar e ALBERTO SILVA FRANCO, “Crimes Hediondos”, p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT, v.g.).
Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.
Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.
O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.
Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.
Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.
Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).
Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Daí a advertência de que a interdição legal “in abstracto”, vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal.
O Supremo Tribunal Federal, de outro lado, tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta a justificar, só por si, a privação cautelar do “status libertatis” daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Essa orientação vem sendo observada em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados (HC 80.064/SP, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - HC 92.299/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 93.427/PB, Rel. Min. EROS GRAU - RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RHC 79.200/BA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):
“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).”
(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)
“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”
(RTJ 187/933, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Tenho por inadequada, desse modo, por tratar-se de fundamento insuficiente à manutenção da prisão cautelar dos ora pacientes, a mera invocação do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 ou do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, especialmente depois de editada a Lei nº 11.464/2007, que excluiu, da vedação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.
Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante leva-me a entender que a decisão judicial de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar.
Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a determinar a imediata soltura dos ora pacientes, se por al não estiverem presos, relativamente ao Processo nº 229.09.004166-2 (1ª Vara da comarca de Sumaré/SP).
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (Pet 7.623/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 990.09.190723-5) e ao MM. Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Sumaré/SP (Processo nº 229.09.004166-2).
Publique-se.
Brasília, 16 de abril de 2010.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator


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